sexta-feira, 23 de março de 2012

REPORTAGEM DO JORNAL OPÇÃO

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Jovens Infratores
Servidores socioeducativos reivindicam soluções
Informações de funcionários e secretário de Estado de Cidadania e Trabalho evidenciam caos no sistema
Imagem ilustrativa

Ketllyn Fernandes

Na tentativa de fortalecer as denúncias sobre a precariedade em que se encontram os centros de internação de jovens infratores em Goiás, cuja situação foi oficializada em ação movida pelo MP-GO (Ministério Público de Goiás) no último dia 12, segunda-feira, a Associação dos Servidores do Sistema Socioeducativo de Goiás organiza uma manifestação em Goiânia no próximo dia 20, terça-feira, em frente à Secretaria de Cidadania e Trabalho. Está prevista a participação de servidores lotados em unidades socioeducativas dos municípios de Anápolis, Formosa, Luziânia, Itumbiara e da capital, que juntas totalizam cerca de 300 menores infratores internados.

A iniciativa dos servidores já havia sido informada ao secretário Henrique Arantes (PDT) antes da ação movida pelo MP, em que é solicitada sua substituição imediata por outro gestor. Ele é responsabilizado por omissão no que tange os problemas enfrentados pelo sistema socioeducativo do Estado, intensificados a partir do início de 2011. O secretário falou ao Jornal Opção no mesmo dia em que o promotor de Justiça Alexandre Mendes Vieira propôs a ação civil pública, alegando que, por grande parte das questões levantadas já terem sido solucionadas, o promotor em questão deveria ter um problema pessoal com ele.

No início desta semana servidores do sistema socioeducativo do interior do Estado entraram em contato com o Jornal Opção na intenção de relatar suas insatisfações e reivindicações em relação não só à situação precária de infraestrutura dos centros de internação, como também às más condições de trabalho. Dentre as reivindicações da recém-criada associação, a mais urgente, segundo os servidores, é a convocação do restante do pessoal aprovado em concurso de 2010, quando todas as secretarias do governo Marconi Perillo passaram pela mesma alteração.

Sobre o assunto, Henrique Arantes afirmou que realmente faltam servidores para ser chamados, alegando que o concurso em questão tinha “teor eleitoreiro”, já que havia previsão de vagas em cidades que não possuem sequer unidades de internação. “O concurso de 2010 não limitava o número de vagas, é todo viciado, mas mesmo assim solicitamos a sua prorrogação para que mais pessoas do cadastro de reservas sejam chamadas”, explicou, relatando que já foi solicitado à Segplan (Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento) a convocação dos servidores ainda não empossados.

Violência

A 1ª turma de aprovados no processo seletivo de 2010 começou a atuar em abril de 2011, mas o treinamento só veio oito meses depois, em novembro. “Não sabíamos como agir com os menores, muitas vezes agressivos entre eles mesmos e com a gente. Na situação que estamos não podemos nem desenvolver as atividades educativas previstas, por falta de segurança”, relatou um agente com carga horária de 12 horas, numa média de menos de cinco funcionários por turno para cerca de 30 internos (em Formosa e Luziânia esse número alcança atualmente 74 e 64 menores, respectivamente). Dessa forma, os adolescentes ficam a maior parte do tempo trancados, o que, consequentemente, os leva a ficar nervosos e agredir os servidores.

No dia 22 de janeiro deste ano, por exemplo, o servidor Ueles Monteiro Santos, de Anápolis, registrou um B.O (Boletim de Ocorrência). No documento, ele descreve que foi levado para o interior de um dos quartos por dois menores e enquanto um o imobilizava com um golpe de "gravata", o outro lhe dava vários socos. A intenção dos adolescentes era pegar as chaves da saída da unidade para fugir, mas as que estavam com Ueles eram dos alojamentos. Com o servidor tinham apenas mais duas pessoas, um agente de segurança educacional da unidade e um policial militar, que após ouvirem os gritos foram socorrer Ueles. Os adolescentes não conseguiram fugir, mas causaram um alvoroço na unidade, em que a única distração dos internos é uma sala com televisão.

“Todos sabiam que a atividade era de risco, está sujeita a sofrer algum tipo de agressão, infelizmente”, respondeu Henrique Arantes sobre o incidente. Segundo ele, o treinamento dos servidores só ocorreu em novembro por conta de processos burocráticos, e garantiu que outro está previsto para ser realizado em breve, pela UFG (Universidade Federal de Goiás), para todos os servidores do socioeducativo do Estado.

Entretanto, determinados tipos de problemas não podem esperar por muito tempo. Além da violência para com os servidores, existe a agressividade dos internos entre eles mesmos, aspecto que aumenta a urgência das medidas apontadas pelos funcionários do socioeducativo. “Desde a criação do concurso aos dias atuais, em menos de dois anos, cinco adolescentes já perderam a vida nas unidades do Estado. Dois foram queimados vivos em Luziânia, um foi estrangulado em Formosa, e dois enforcados em Goiânia”, lamentou um servidor de Luziânia.

Morosidade

Um representante da associação informou que, desde 2011, ocorreram duas reuniões com o secretário, e que de lá para cá, não surtiu nenhuma solução de efeito. Segundo o servidor, embora a superintendente estadual da Criança e do Adolescente, Luzia Dora, seja mais presente nas unidades que o secretário Henrique Arantes, ainda assim as reivindicações não estão sendo atendidas. “Ela fala que precisamos melhorar, mas não dá condição alguma para isso. Enxerga o sistema socioeducativo como se fosse um sistema educacional, mas se esquece que lá nas unidades não estão internados alunos e sim, reeducandos. Adolescentes que cometeram atos infracionais gravíssimos”, relatou. Esse posicionamento, continua o funcionário, “não condiz com a nossa realidade”.

Henrique Arantes, por sua vez, reforçou que medidas estão sim, sendo tomadas. Ele citou o curso realizado em novembro e a licitação de crachás para identificação dos servidores, que já foi finalizada. Segundo ele, outras providências estão a caminho, e nem todas dependem de sua secretaria.

Além das situações relatadas, a associação, que aguarda a liberação do número de seu CNPJ para oficializar-se como tal, pede a imediata desvinculação do sistema socioeducativo da Secretaria de Cidadania e Trabalho, devido à falta de verba e a complexidade administrativa que a gestão exige. É sugerido pelos servidores a criação de uma nova secretaria ou então, que o socioeducativo seja migrado para a Secretaria de Segurança Pública e Justiça, como acontece em outros Estados. De acordo com o secretário, a segunda opção realmente pode ser viável, tendo avaliado, inclusive, que por meio da Secretaria de Segurança Pública as soluções como cursos de capacitação e a intervenção mais ágil da polícia seriam mais rápidos. Mas adverte: “Qualquer secretaria terá dificuldades”, justamente pela complexidade do sistema.

Sobre os menores infratores

Pesquisa realizada entre 2009 e 2010 pela SDH (Secretaria de Direitos Humanos) revela que a quantidade de menores infratores que cumprem medida socioeducativa com privação de liberdade sofreu elevação de 4,5%, chegando a um total aproximado de 18.107 adolescentes em internação, internação provisória e semiliberdade. O estudo detalha ainda que, de cada 10 mil menores brasileiros de 12 a 17 anos, uma média de 8,8 estão internados, sendo 95% do sexo masculino. Entretanto, o levantamento demonstrou que há uma tendência gradativa de estabilização desses números, já que entre 1996 e 2004 a taxa de internação teve alta de 218% e de 2004 para 2010 esse percentual caiu para 31%.

Em artigo intitulado “Adolescentes Infratores: a Evidência do Óbvio”, o juiz Guaraci de Campos Viana, titular da 2° Vara da Infância e da Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, trata o assunto, dando destaque justamente à importância das medidas socioeducativas que serão tomadas após a internação do menor. Segundo Viana, assim como o poder público, a população também é co-responsável pelos adolescentes e pelos atos cometidos por eles, que envolvem outros sistemas sociais, a começar pelo econômico, passando pelo educacional até chegar ao direito à saúde e ao lazer. Ele relata que, na grande maioria das vezes, os adolescentes que cometem atos infracionais não são encaminhados diretamente à internação, havendo outras punições direcionadas a infrações menos graves, como a advertência, reparo ao dano causado, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. O juiz destaca que cabe ao Judiciário decidir qual medida socioeducativa deverá ser aplicada, mas que a execução da mesma cabe ao Executivo, que é responsabilizado, dessa forma, pelo sucesso do processo de reeducação dos menores.

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